2017-05-24
Texto: Carlos A Henriques
A importância da componente sonora de um filme, mesmo no período do Cinema mudo, é deveras digna de destaque pois sem a mesma a “coisa” fica sem sal e pimenta, daí o seu cuidado tratamento na grande maioria das obras cinematográficas, só que agora, finalmente, a partilhar 50% de importância perante a imagem, numa avaliação global subjectiva da qualidade intrínseca das respectivas contribuições.
Até 1927, data da estreia do primeiro filme sonoro “The Jazz Singer”, algumas salas de Cinema mais sofisticadas recorriam a suporte musical ao vivo, assim como de alguns efeitos sonoros como, por exemplo, o tocar de uma campainha, o bater à porta ou a simulação de chuva.
The Jazz Singer(1927)
Porém até 1929 a imagem e o som não partilhavam o mesmo suporte, usando-se para o efeito um disco onde os sons eram registados, o chamado sistema Vitafone, recorrendo a imagem à tradicional película, sendo registadas na mesma 16 imagens por segundo.
A partir desta data o som passou a estar incluído no suporte imagem, numa primeira fase com o chamado registo óptico (Comop-óptico comum), a que se seguiu o registo, também no suporte da imagem, numa pista magnética (Commag-magnético comum), o que obrigou ao aumento do frame rate de 16 para 24 imagens por segundo, dada a necessidade de uma resposta mais adequada ao conteúdo de frequências no domínio dos agudos, mantendo-se tal norma até aos dias de hoje, isto quando se fala no Cinema tradicional, ou então 48fps (“The Hobbit”-Peter Jackson) ou 120fps (“Billy Lynn’s Halftime Walk”- último filme de Ang Lee).
Som óptico comumem filme 3D (Comop)
No início dos anos 20’, do século passado, o arranque das emissões de Rádio trouxe consigo as chamadas “Soap”, ou seja, as rádio-novelas, as quais passaram a ser assim designadas dado o suporte publicitário ser feito, maioritariamente, pelos detergentes de então, ou seja, os sabões, com os diálogos a serem captados por um microfone omnidireccional fixado a um suporte que se encontrava na posição vertical, sendo o mesmo ladeado pelos actores e actrizes, assim como pelo próprio encenador.
Radionovelas
Para que todo o envolvimento sonoro fosse fiel ao pretendido eram criados, em simultâneo aos diálogos, os efeitos sonoros do tipo janelas a baterem, toques de telefone ou passos na calçada eram emitidos em directo, dado que à data o registo de som era algo ainda muito primário.
Quando a indústria do Cinema Sonoro se começou a desenvolver, em especial na Universal Studios, os primeiros “técnicos” da arte de recriação de efeitos sonoros foram recrutados, precisamente, nos principais estúdios de Rádio.
Entre esses técnicos constava um muito especial, que o mesmo é dizer, o verdadeiro “pai” e “padrinho” do sistema, de nome John (Jack) Donovan Foley (1891-1967), o qual foi recrutado pela Universal Studios em 1914, acabando o mesmo por ficar associado, até hoje, a este tipo de actividade, conhecido em todo o mundo pela designação de “Foley Effects”.
John (Jack) Donovan Foley
Na busca de uma possível definição do termo “Foley Effects”, esta poderá ser:
“A arte e técnica de recriação de efeitos sonoros a serem usados em qualquer obra cinematográfica, televisiva ou outra de cariz audiovisual, na fase de pós-produção, dando-se ao sinal de áudio assim obtido uma qualidade superior”
A arte subjacente a um “Foley Effect” mede-se através da capacidade empregue na sua obtenção levada ao ponto de o mesmo não se auto-denunciar face à “verdade” sonora que o mesmo apresenta. Este torna mais real todo o conteúdo audiovisual, dado o chamado som de fundo trazer aos mais requintados apreciadores algo que a Natureza, de facto, nos transmite, dando às imagens maior vivacidade e realidade material.
Em determinadas situações em que os chamados diálogos com som directo são fundamentais, é comum o recurso ao “Foley Effects” para o mascaramento de um som não desejável como, por exemplo, o de um avião num filme de época em que estes ainda não existiam, constatando-se tal facto num período em que já não é possível voltar a filmar de novo a cena em causa. Por outro lado, os microfones então existentes eram usados unicamente para a captação dos diálogos, pelo que tudo o que se encontrava à volta dos actores tinha que ser metodicamente elaborado em espaços próprios (estúdios) recorrendo-se a materiais de uso corrente, que o mesmo é dizer, não há necessidade de se adquirir equipamentos ou acessórios especiais.
Os v�rios objectos para efeitos sonoros (Foley)
Este tipo de efeitos sonoros conduz a uma melhoria significativa do produto final já acabado, acrescentando-lhe mais profundidade, e, como consequência, mais realismo às cenas e ao seu desenvolvimento.
Ao elaborar-se um “Foley Effect” há que entrar em consideração com três tipos diferentes de situações dos efeitos a criar, ou seja:
Passos
A captação directa no acto de filmagem do caminhar de um actor ou actriz é, na maioria dos casos, impraticável, pelo que o som resultante não é o mais conveniente, servindo este, em situações várias, como som guia, a partir do qual e recorrendo-se unicamente a objectos comuns, reconstitui-se em estúdio um som limpo e a condizer com as imagens exibidas, pois o som reproduzido pelo caminhar numa calçada é totalmente diferente do obtido quando se caminha sobre relva.
Est�dio preparado para a execu��o de "Foley Effects"
Roupa/Movimento
Pegando no exemplo anterior, o som emitido pela roupa que o personagem enverga, caso se trate de um sobretudo é totalmente diferente do obtido ao usar-se um casaco. Um lenço no cabelo da protagonista actua de um modo diferente caso a mesma use um cachecol, tanto na presença de vento como a passagem da mão sobre os mesmos.
O ruído característico do roçar das calças de um dado personagem requer um estudo cuidado do mesmo, passando pela avaliação do tipo de tecido, da velocidade de deslocamento e do modo como os passos são dados, cabendo esta última no número anterior.
Específicos
Na grande maioria de sons específicos como trovões, travagens, campainhas de bicicleta e outros, podem ser obtidos em livrarias sonoras, normalmente pré-registados em fita, disco ou outro suporte, ou, ainda, obtidos a partir da Internet em sites especializados no fornecimento dos mesmos. Estes efeitos não são considerados “Foley Effects” pois não são produzidos de acordo com o padrão Foley, que o mesmo é dizer, gerados artesanalmente perante as imagens que se apresentam num ecrã presente no estúdio de gravação.
Livraria efeitos sonoros
A junção dos diálogos à banda sonora faz-se, também, na fase de pós-produção, recorrendo-se ao processo ADR (Automatic Dialogue Replacement), no qual, através de um equipamento que avança/recua o tempo/espaço necessário para que entre movimentos labiais e faciais o som saia em perfeito sincronismo, apesar de, nalguns casos como, por exemplo, na dobragem internacional, a fonte sonora não ter nada a ver com a fonte imagem, pois são duas pessoas diferentes e que vivem, normalmente, a distâncias consideráveis um do outro e cuja fusão só é possível graças ao desenvolvimento tecnológico entretanto alcançado.
Protools, a nova ferramenta
No passado em que a chamada pista internacional, ou seja, a de efeitos sonoros, não acompanhava o filme ou programa de Televisão, tornava-se necessário, a nível de cada País, a reconstituição global dos efeitos inerentes às cenas, para além, como é óbvio, da inclusão do diálogos na língua nacional onde o filme é projectado.
Nos dias de hoje os “Foley Artists” recorrem, também, às novas tecnologias, nomeadamente ao ProTools, contudo é na agilidade física de objectos e no timing a eles associado, razão pela qual a grande maioria são ex-bailarinos, a verdadeira arte na sonorização de qualquer Obra Audiovisual.