O Início de Tudo
2015-01-05
Texto: Carlos A Henriques
A importância nos dias que correm das imagens em movimento, tanto a nível do Cinema, da Televisão como do Audiovisual em termos latos, leva-nos a fazer uma pequena reflexão sobre o nascimento da transmissão à distância de imagens, ou seja, da Televisão, e o que terá levado o Homem a tão incrível descoberta, seguida do necessário desenvolvimento até aos dias de hoje, dado não ser possível qualquer comparação entre os primórdios da mesma e o que se avizinha para o futuro próximo.
Antecedentes Históricos
A descoberta da Televisão não se ficou a dever a um único inventor mas ao trabalho realizado por inúmeros cientistas que trabalharam num modo isolado ou em equipa, a nível de um único país, ou envolvendo inventores num trabalho comum em países diversos.
Por incrível que pareça o primeiro televisor foi obtido à custa do “casamento” de elementos mecânicos com eléctricos, ou seja, de uma roda perfurada e de uma lâmpada de néon.
Mas, recuemos um pouco mais. Estávamos, então, em pleno período da fixação da imagem numa superfície fotosensível, com as experiências e os resultados positivos do francês Joseph Nicephore Niépce (1826), quando surgem no horizonte uma série de ideias da sua aplicação a vários campos, nomeadamente ao do registo em suporte físico dessas mesmas imagens, só que associado ao conceito de movimento.
O Cinema foi o primeiro meio a usufruir, nos finais do século XIX, das vantagens entretanto alcançadas com o desenvolvimento da fotografia. Contudo, a ideia da transmissão à distância das imagens fotográficas, ou outras, coexistiu com a da projecção em sala das mesmas imagens, porém os requisitos que se colocaram, desde sempre, à Televisão, só em meados dos anos vinte do século XX começaram a ter resposta, embora longe dos objectivos traçados.
Em termos muito gerais havia a necessidade de se dar uma resposta concreta a duas questões base, as quais passavam por se saber qual o processo de conversão da luz na sua equivalente eléctrica, isto em termos de captação, e, de igual modo, a conversão dessa mesma corrente eléctrica em luz, no lado oposto, que o mesmo é dizer, do local da recepção.
Pode afirmar-se que à data dos primeiros desenvolvimentos, ter-se-ia que resolver o processo de transmissão da luz reflectida dos objectos presente no local de captação e a sua reprodução noutro local, para o qual o recurso à energia eléctrica era, em princípio, uma boa solução.
Uma vez escolhida a forma de energia que iria transportar as imagens ópticas na sua equivalente eléctrica, ter-se-ia que encontrar os materiais com capacidade para tal feito, tanto a nível do que se convencionou chamar de Câmara, assim como no processo inverso, ou seja, a reposição da luz de origem no que veio a ser chamado Televisor.
A Fotocondutividade
Desde o primeiro momento em que a Televisão esteve na mira de um elevado número de cientistas a grande preocupação e busca recaia sobre um elemento físico com a característica de alteração da sua capacidade de transporte de energia eléctrica quando imerso num ambiente variável de luz.
Foi atribuído ao jovem irlandês, Operador de Telegrafia, Joseph May (1873) a descoberta do efeito fotocondutivo, sendo este baseado no seguinte princípio:
“Ao iluminar-se uma barra de selénio esta passa a apresentar uma condução eléctrica elevada, enquanto que na obscuridade a mesma é reduzida drasticamente”
Recorrendo-se a este comportamento do selénio, estava encontrado o modo de transformação de variações da intensidade da luz na sua equivalente eléctrica, a qual iria ser sujeita a um tratamento para transportar à distância, de um modo adequado, essas mesmas variações.
Em 1875 o americano Georges Carey, baseado no princípio da fotocondutividade, fez a seguinte proposta:
“Se for atribuído a cada ponto da imagem a captar uma minúscula célula de selénio, e se essas células forem dispostas numa superfície (painel) com espaçamentos pequenos e constantes, tanto na horizontal como na vertical, mas isoladas entre si, então a imagem óptica colocada defronte deste dispositivo resultará, ponto a ponto, numa imagem constituída por impulsos eléctricos”.
Para se restituir a imagem original, ou seja, na sua forma luminosa, dever-se-ia recorrer a um painel idêntico ao usado na captação, só que agora o lugar de cada uma das células de selénio deveria ser ocupado por lâmpadas de reduzidas dimensões, fazendo-se a correspondência directa de uma célula (ponto) a cada uma das lâmpadas.
Perante as alterações, ponto a ponto, da luz incidente no painel de células de selénio, as mesmas eram convertidas em corrente eléctrica proporcional, pelo a aplicação desta à respectiva lâmpada fazia com que a mesma acendesse mais ou menos função da respectiva intensidade de corrente eléctrica.
É fácil de imaginar a impraticabilidade deste sistema dado exigir o uso de uma elevada quantidade de fios, um por cada célula/lâmpada, ligados em paralelo entre o chamado sistema emissor e o sistema receptor, ou seja, entre a análise e a síntese da imagem, sendo este número função do resultado pretendido como definição final da imagem obtida.
Para se evitar o uso de tão elevado número de fios o francês Constantin Senlecq desenvolveu um conceito, o qual foi publicado em 1881, cujo esquema de princípio preconizava o recurso a dois dispositivos mecânicos rotativos, mais propriamente a dois comutadores, e a um único fio transportador da informação fornecida pelos múltiplos pontos de imagem, sendo o primeiro aplicado ao painel de células conversoras da luz em corrente eléctrica, portanto, do lado da captação, e o segundo ao painel de lâmpadas, ou seja, ao receptor propriamente dito.
Para que a reprodução fosse feita de acordo com a imagem original tinha que ser garantida uma sincronização perfeita ponto-a-ponto e linha-a-linha, o que implicava uma rotação no mesmo sentido e a mesma velocidade dos dois comutadores.
Apesar de todos os desenvolvimentos que tiveram entretanto lugar, a Televisão a preto e branco, na sua fase mais avançada, baseava-se neste princípio, que o mesmo é dizer:
“A imagem completa era convertida numa série de elementos, os quais eram enviados um a um, mas, ao contrário do que acontecia com os sistemas propostos por Senleq e Carey, no lugar do painel de células passou a estar um tubo de captação de imagem ou, em alternativa, sensores do estado sólido (CCD ou C-MOS), enquanto que o painel de lâmpadas do lado receptor foi substituído por um tubo de raios catódicos, vulgo, cinescópio”
De regresso aos últimos anos do século XIX, mais propriamente a 1884, o cientista alemão Paul Nipkow fez o registo da patente de um sistema mecânico de varrimento, ou leitura, de imagem, o qual recorria, no lado da captação, a um disco rotativo no qual existia uma série de buracos dispostos em espiral, havendo entre cada um o espaço equivalente à largura da imagem. Um feixe de luz atravessava os buracos, um de cada vez, indo este iluminar cada linha da imagem a captar.
Após o atravessamento da imagem a transmitir, o feixe de luz apresentava-se modulado, ou seja, a sua variava em função da maior ou menor opacidade apresentada, indo esta excitar uma célula foto-captadora local onde era efectuada a sua conversão em sinal eléctrico.
Do lado da reprodução recorria-se a um disco rotativo idêntico ao da captação, o qual rodava no mesmo sentido e à mesma velocidade deste, sendo o mesmo colocado na parte frontal de uma lâmpada de néon, cuja intensidade luminosa variava de um modo semelhante às variações apresentadas pelo sinal eléctrico recebido.
Para a captação/leitura da totalidade de uma imagem os discos tinham que efectuar uma rotação completa, pelo que, se os discos rodassem a uma velocidade elevada, ou, dito de outro modo, se os sucessivos estímulos luminosos variassem rapidamente o olho humano não mais conseguiria “perceber” que os mesmos pertenciam a elementos individuais de imagem. A ideia era simples, mas de difícil concretização, dado que à data os materiais disponíveis não eram os mais adequados ao resultado final pretendido, pelo que se teve que aguardar pelos resultados dos estudos científicos entretanto levados a efeito.
A descoberta feita, em 1897, pelo inglês John Joseph Thomson (Nobel da Física-1906), da pequeníssima carga eléctrica negativa conhecida por electrão, veio revolucionar a ciência física do final do século XIX, tendo esta contribuindo, definitivamente, para a resolução de alguns dos problemas apresentados pelos sistemas propostos para a captação, transmissão e reprodução anteriores.
Perante as reduzidíssimas dimensões do que veio a designar-se por feixe electrónico, assim como a ausência de inércia na sua deslocação (desvio), bastava, agora, “apenas” inventar um dispositivo com capacidade de o produzir, o que veio a acontecer em 1897, tendo tomando este a designação de TRC (Tubo de Raios Catódicos).
Por estranho que possa parecer, no que respeita ao desenvolvimento da Televisão, o abandono imediato e definitivo dos dispositivos mecânicos não se verificou, mantendo-se estes na “corrida” até 1937, ano em que a electrónica se impôs, definitivamente, como único e eficaz meio para o tratamento adequado das imagens televisivas.