1ª Parte
Introdução
A associação da marca Vinten à actividade televisiva é enorme, em especial para as gerações de profissionais dos últimos 40 anos. Contudo, o nome Vinten está no mercado audiovisual desde 1910, então como fabricante de projectores de cinema a cores e numa fase mais avançada de câmaras para Cinema, sendo o mentor da mesma o inconformado William Vinten (1880-1937), o qual com apenas treze anos de idade montou o seu primeiro negócio, o de reparação de bicicletas, encontrando nos amigos de recreio os clientes mais exigentes.
Sendo a mecânica a área da sua predilecção, fácil foi o processo de passar a ser colaborador efectivo da fábrica de armamento Vickers, na qual, uma vez mais, fez sucesso, tornando-se um dos mais reputados técnicos na empresa onde no seu dia-a-dia a actividade que exercia não passava despercebida.
A Indústria do Audiovisual
O sonho de um dia vir a trabalhar na jovem indústria cinematográfica conduziu-o até ao Produtor/Realizador de cinema e fabricante de câmaras Robert William Paul, o qual, em parceria com Birt Acres, desenvolveu a primeira câmara de Cinema feita em Inglaterra (1895), tendo a esta recebido o nome de baptismo “Paul-Acres Camera”.
A próxima empresa a usufruir dos conhecimentos e entusiasmo de William Vinten foi outro fabricante inglês de câmaras de cinema, a Newman & Gaurdia, cuja lista de modelos que apresentou no mercado entre 1893 e 1956, é de tal ordem longa que nem nos atrevemos a enumera-la.
O casamento de William Vinten levou-o a optar pela instalação de uma pequena oficina no seu apartamento para executar, na qualidade de free-lancer, as encomendas que lhe iam surgindo, podendo, deste modo, dar azo à sua qualidade de viciado no trabalho, uma vez não ter que estar sujeito a um horário e à consequente perda de tempo na ida e vinda para o exercício da sua actividade.
Em meados da primeira década do séc. XX a busca por um sistema de cinema a Cores era intensa, havendo um, o Kinemacolor, da responsabilidade de Charles Urban, o qual carecia de projectores adequados nas salas de cinema, dado que os tradicionais a preto-e-branco não tinham capacidade para tal função, pelo que entre 1908 e 1914, período de existência do sistema, a responsabilidade de fabrico deste equipamento foi entregue a William Vinten.
A Constituição Formal da Empresa
A dimensão do projecto não encontrava num apartamento as necessárias condições de fabrico dos projectores o que levou William Vinten, com o empréstimo de 600 libras feito por sua mãe, ao registo, no dia 1 de Janeiro de 1910, da empresa W. Vinten Cinematograph Engineers, com sede em Urbanora House, Wardour Street, em Londres.
A primeira encomenda por parte de Charles Urban foi de 25 projectores Kinemacolor, pela módica quantia de 25 libras cada, num total de 625 libras, o que permitiu a restituição do empréstimo de uma assentada com esta primeira encomenda. Para além destes primeiros projectores a Vinten fabricou ainda mais 125, tendo ajudado, deste modo, a cobertura nacional de salas de cinema com capacidade de projecção a cores.
A Entrada Em Actividade
De início a empresa baseou a sua actividade principal na reparação de câmaras à data disponíveis no mercado, mas rapidamente passou à fase seguinte, ou seja, à do desenvolvimento e fabrico de equipamentos que o mercado carecia como, por exemplo, de uma impressora de filme do tipo Step-by-Step, a qual recorria a uma fonte de luz baseada na queima de um gás, tendo esta sido posteriormente substituída por uma lâmpada eléctrica a qual permitia o alcance de 10 níveis de impressão.
As primeiras patentes registadas pela Vinten foram todas relacionadas com projectores de cinema, sendo a mais relevante a de 1913 a qual preconizava uma segurança aumentada ao perigo de incêndio e uma segunda, em 1914, onde se dava um grande passo em frente no que respeitava à projecção a preto-e-branco e à projecção a cores dado até à data serem necessários dois projectores, podendo este reproduzir 16ips (p/b) no primeiro caso ou 32ips (cor) no segundo através de uma simples comutação.
As Primeiras Câmaras
Dentro do segmento de câmaras de filmar o primeiro projecto a ser concretizado diz respeito à Model A, em 1911, sendo esta baseada numa caixa de madeira feita à mão, na qual se instalavam, lado a lado, os respectivos magazins.
Com o despoletar da 1ª Grande Guerra, em 1914, o governo inglês tomou a seu cargo a fábrica da Vinten para o fabrico de peças para aeronaves, nomeadamente de válvulas para os seus motores, tendo a equipa técnica sido convidada pela Sopwith, sediada em Kigston-on-Thames, a participar como colaboradores.
Em 1915, uma vez mais associada à Sopwith, a pedido da recém-criada Britain’s Royal Flying Corps, a Vinten desenvolveu uma câmara para ser transportada a bordo das aeronaves, tendo tal pedido resultado na Model B, sendo esta a primeira câmara totalmente metálica com capacidade para resistir ao choque, nomeadamente ao do vento, assim como ao estado do tempo, podendo a mesma ser operada remotamente. Para que a câmara se mantivesse, sem esforço, na posição vertical, aplicou-se um pivot no centro de gravidade desta, sendo o resultado brilhante.
Este projecto resultou no arranque de uma longa e estreita colaboração entre a Vinten e as forças armadas britânicas, assim como com a indústria cinematográfica.
Entretanto, tendo em vista o fim da Guerra, desenvolveu-se uma câmara para uso em estúdio, tendo a mesma sido apelidada de Model C, na qual se recorria a uma turret de quatro objectivas, a um viewfinder directo, fades automáticos e manuais, duas velocidades de captação, assim como mecanismos para se fazerem panorâmicas horizontais e verticais.
Apesar do insucesso comercial uma destas câmaras funcionou em perfeitas condições até 1976.
Entre Guerras
Com o abandono do sistema Kinemacolor o regresso da Vinten à sua actividade tradicional foi dolorosa, ficando esta reduzida a apenas três elementos. Mas, dada a garra de William a fábrica passou a produzir pequenos componentes para automóveis e ferramentas de precisão para a indústria de joalharia.
Entretanto, em 1921, William Vinten torna-se membro associado da SMPE (Society of Motion Picture Engineeres), nascida em 1916 e que deu origem, em 1923, à actual SMPTE (Society of Motion Picture and Television Engineeres), tendo sido eleito no mesmo período membro da RPS (Royal Photographic Society), envolvendo-se, ainda, na constituição do Film Censorship Board o qual veio a dar lugar à actual BBFC (Brithish Board of Film Classification).
Apesar das contrariedades um novo modelo de câmara foi desenvolvido em 1923, a Vinten Model E 35mm, graças a uma ideia de William Vinten de 1919, baseando-se a mesma na Vinten Model C, sendo esta concebida para dar suporte ao sistema de cor Biocolour, desenvolvido pelo cineasta Claude Friese-Greene, o qual foi beber ao sistema Kinemacolor a sua base de funcionamento.
Construída na sua totalidade em metal, dispunha de uma turret de quatro objectivas comutáveis através de um manipulo, fazendo parte da mesma uma cabeça de tripé que lhe permitia a feitura de panorâmicas tanto horizontais como verticais.
Contudo, com a entrada na empresa dos filhos de William, respectivamente Maise e Charles, em 1927, a que se seguiu a da filha Pip e do filho mais novo Bill, tendo este último garantido a direcção de inovação até meados de 1980, a empresa deu, então, um reviravolta completa, rumo a um sucesso que chegou aos dias de hoje.
Com a caducidade do contrato de arrendamento da fábrica e face ao novo valor pretendido pelo senhorio, cerca de três vezes mais, houve necessidade de mudança de instalações, tendo sido escolhida, em 1929, Cricklewood, a qual se encontrava a meia distância entre Warder Street e os novíssimos Elstree Studios, servindo as mesmas como fábrica e habitação dos Vinten.
A sua principal actividade a partir das novas instalações passou a ser o desenvolvimento de todo o tipo de equipamento que a indústria cinematográfica carecia, tanto no campo da imagem como do som, como aconteceu com a Kodak e muito outras empresas de reputação mundial, ao ponto de em 1937 cerca de 75% dos filmes exibidos na Grã-Bretanha terem sido processados pela Vinten.
Dado tratar-se de uma empresa familiar, no sentido de ser protegido o investimento entretanto feito, achou-se por bem mudar o seu estatuto jurídico passando esta a designar-se por W. Vinten Ltd.
Com o aparecimento do cinema sonoro tornava-se necessário o desenvolvimento de uma nova câmara que contemplasse tal situação, que o mesmo é dizer, fosse insonorizada, não havendo da parte de William (pai) concordância sobre este projecto.
Após insistência dos seus colaboradores Wally Sadler e Bill Hagget eis que surge, em 1931, a nova câmara Model H, tornando-se em quatro anos uma das mais populares câmaras do mercado cinematográfico britânico, nomeadamente nos estúdios Elstree, Highbury, Merton Park, Scottish Film Productions, Stoll, Welwyn, Wembley e em muitos outros à data interessados no Cinema sonoro.
O Nascimento da Televisão
As experiências no campo da Televisão davam, em finais dos anos 20’, do século passado, uma larga vantagem aos desenvolvimentos levados a efeito pelo escocês John Logie Baird, por muitos considerado o “pai” da Televisão, o qual preconizava o recurso a um disco perfurado, concebido pelo alemão Paul Gottlieb Nipkow em 1884.
O primeiro contacto da Vinten com esta realidade ocorreu em 1936, graças ao facto de um dos sistemas de Baird recorrer ao chamado princípio Intermediate Film, através da sua câmara Model H a qual foi submetida a uma ligeira alteração de modo a receber película de 17.5mm, assim como foi feita uma abertura na sua base por onde a película saia directamente para um tanque de revelação, a que se seguia a fixação da imagem e a passagem da película por água para se proceder à sua limpeza.
Ainda dentro de água a película era varrida através de um disco Nipkow especial, processando-se, deste modo, a conversão das imagens com as necessárias características de um sinal de Televisão.
Face à fragilidade do sistema, o mesmo foi abandonado três meses mais tarde.
À data havia um concorrente directo ao sistema mecânico de Baird, concretamente o sistema electrónico da EMI (Electric and Musical Industries), sendo este usado também pela BBC, em semanas alternadas, no célebre e carismático edifício Alexandra Palace, ao qual a Vinten deu apoio fornecendo suportes para câmaras e girafas para captação de som.
Com apenas cinquenta e sete anos de idade o fundador da empresa, William Vinten, parte para uma viagem sem retorno físico, pois apesar da sua morte, em 1937, ainda hoje é mantido o seu espírito de busca constante de novas e surpreendentes soluções para a indústria vigente.
A edição de Dezembro de 1937 do BKSJ (British Kinematograph Society Journal) presta-lhe um singular tributo com a nota abaixo reproduzida:
“A Indústria Cinematográfica Britânica acaba de perder não só uma personalidade técnica fora do comum, mas um homem com uma visão, perspicácia e elevada generosidade, cujas qualificações lhe granjearam em termos universais o devido respeito, mas também uma afeição pessoal, e, em muitos casos, gratidão de todos aqueles que tiveram a grande sorte de o conhecerem bem”
O ano de 1938 correspondeu à concretização de um projecto de uma câmara que durante anos andou na cabeça de William Vinten, concretamente, a HS300, a qual não era mais do que uma câmara com um frame rate acima do que então era comum, ou seja, das tradicionais 24fps, passando esta a filmar, já naquela época, a 300fps, tendo sido o seu filho Charles a completar o projecto do pai após a sua morte.
O Contributo na II Guerra
O despoletar da II Guerra Mundial, em 1942, teve, entre outras consequências, a paragem de todos os projectos de desenvolvimento no campo do audiovisual em especial no Cinema e Televisão.
No que respeita à Vinten a sobrevivência, neste período, ficou a dever-se, uma vez mais, apesar da sua independência relativamente ao Governo Britânico de então, à sua colaboração com o Ministério de Produção Aeronáutica.
Foram fabricados, de um modo intensivo, dois tipos de câmaras destinadas a acções de reconhecimento fotográfico aéreo, respectivamente a F24, da Williamson Manufacturing Companye e a HS-300, da Vinten, cujas imagens de alta qualidade permitiam o estudo da localização e movimentos das tropas inimigas.
A F24 era montada nas asas das aeronaves Spitfire para enquadramentos verticais picados, ou na fuselagem traseira para planos verticais e oblíquos.
Quanto à HS-300 a mesma não era mais do que uma câmara com um frame rate acima do normal, ou seja, em vez das tradicionais 24fps a mesma captava 300fps, recorrendo, para o efeito, a um mecanismo intermitente.
A guerra acabou e a palavra de ordem mais pronunciada foi, em todos os domínios, desenvolvimento, que no caso da Vinten se traduziu pela entrada para a empresa do filho mais novo de Vinten, o qual tinha o mesmo nome do pai, razão pela qual era tratado por Bill, deixando de lado a sua profissão de Operador de Câmara, abraçando, definitivamente, os valores legados pelo pai, tendo preconizado logo na sua primeira colaboração algo muito à frente para a época, ou seja, um sistema óptico associado à objectiva da câmara que dispensava o uso da fita métrica, ainda hoje em uso na rodagem de filmes em suporte película.
Este sistema, de grande sucesso entre Operadores de Câmara e Directores de Fotografia, foi baptizado com o nome Pathfinder.
A Entrada na Era dos Suportes de Câmara
Com a morte da mãe Ellen Vinten, a filha mais velha, Maise Vinten, assume as funções de Chairman da empresa enquanto o irmão mais velho, Charles Vinten, passa a exercer várias funções na fábrica, mantendo, contudo, as de Managing Director.
Apesar da guerra ter terminado o desenvolvimento de câmaras fotográficas de reconhecimento aéreo prosseguiu, tendo-se chegado à incrível F95 a qual fazia uso de película de 70mm e recorria a um obturador de plano focal de banda continua.
Foram três anos de pesquisa de materiais que pudessem suportar o esforço exigido neste tipo de câmaras de alta velocidade, tendo este sido compensado graças ao sucesso alcançado, o que tornou este modelo de câmara um clássico entre os seus pares, ao que correspondeu a encomenda de centenas de unidades.
Em 1952 Bill Vinten assume funções na administração da empresa, contudo, a sua relação com o irmão Charles não era a mais recomendável, pelo que foi decidido que a gestão ficaria na dependência de Charles enquanto Bill ficaria como responsável de desenvolvimento da gama de equipamentos para Cinema e Televisão.
Tal decisão libertou Bill de outros afazeres tendo tido como resultado imediato a versão II do Pathfinder, dedicado à actividade televisiva, assim como uma dolly motorizada, esta a pedido da BBC, a que a Vinten respondeu de imediato com a primeira dolly especificamente concebida para Televisão, a promissora Vinten Motorised, na qual o Operador e câmara eram transportados numa estrutura móvel em todas as direcções, assim como elevações e abaixamentos, capacitando, deste modo, a equipa de produção/realização da captura de planos só vistos até então no Cinema, sendo o comando da estrutura assegurado por um outro Operador equivalente ao tradicional maquinista.
Nascia uma nova era na vida da Vinten, a dos suportes de câmara, à qual iremos dedicar a nossa atenção na 2ª parte deste trabalho.