O Sucesso do “Fracasso”
Nota introdutória
Escrever a biografia de um Amigo é sempre uma situação complicada dado haver aspectos que não apresentam, para o cidadão comum, a relevância achada importante e outros que, pelo contrário, não são relatados dado os mesmos serem considerados, pelo Autor, desinteressantes ou irrelevantes para se ficar com uma ideia mais concreta sobre a figura biografada.
No trabalho apresentado o Autor recorreu a uma série de artigos publicados na imprensa à época, a entrevistas na Rádio e Televisão, ao livro “Peça por Pessa”, da autoria de outro Amigo comum, Luís Freitas da Costa, assim como à sua própria memória, contudo, face à elevada quantidade de informação, imprópria para ser lida num site, houve necessidade de seleccionar o que para nós é, de facto, o que melhor descreve esta figura única do Audiovisual Português.
Fernando Pessa foi sempre avesso à elaboração da sua biografia por achar não ser uma pessoa suficientemente interessante e importante para tal, pelo que os relatos biográficos publicados em vida tiveram, sempre, da parte deste a respectiva chancela, ou seja: “Não autorizado”.
A Origem de Tudo
De nome completo, Fernando Luíz de Oliveira Pessa, foi um Jornalista português de relevância extrema para o País e para a profissão, destacando-se, fundamentalmente, como radialista e repórter de Televisão, tendo nascido a 15 de abril de 1902, em Aveiro (Vera Cruz), e falecido em Lisboa a 29 de abril de 2002.
O avô materno, Oficial Médico da Armada, fez uma comissão de serviço em S. Tomé e Príncipe, razão pela qual sua mãe, o grande motor de arranque na fase infantil de Fernando Pessa, acabou por nascer naquela pequena porção de terra, que à data era parte integrante do Império Português em África. Teve dois irmãos.
Passou os primeiros três anos de vida onde nasceu, tendo-se mudado para uma pequena terra, próximo de Coimbra, de nome Penela, devido ao facto do Regimento de Cavalaria, onde o pai era Oficial Médico, ter sido transferido para aquela localidade, onde se iniciou na aprendizagem da língua portuguesa, que sempre pugnou, até morrer, dando grandes repreensões aos craques que com ele conviviam na redacção e advertências aos formandos nas “visitas de estudo” que eu próprio fazia, sistematicamente, ao decano do Jornalismo Mundial.
Eram momentos únicos, com os jovens candidatos a Jornalistas quando ficavam frente-a-frente com aquela figura imponente, apesar da idade, com um trato escorreito, sempre muito bem penteado, muito british, um autêntico gentleman, e o dizer as palavras com a dicção correcta como se estivesse à frente da câmara, terminando, quase sempre, com uma frase motivadora para a profissão:
“Estudem rapazes, estudem muito, mas depois pratiquem, pois o futuro é vosso”
Concluída a instrução primária (4ª classe), em 1911, foi para o Liceu Dr. José Falcão, em Coimbra, com o objectivo final de vir a ser Oficial de Cavalaria, dado os cavalos serem a sua grande loucura, talvez por influência do pai ou do então Regimento Aveirense de Cavalaria Nº 8, junto a sua casa nos primeiros três anos de vida.
Dada a sua irreverência, apesar de ser bom aluno, quando concluiu o ensino secundário, o Director do Liceu chamou Fernando Pessa e respectivos Professores, para, em conjunto, lhe darem os parabéns, e, simultaneamente, solicitar ao nosso herói que os felicitasse a eles, também, pois a partir daquele dia glorioso iriam ficar, finalmente, livres das suas diabruras.
Entrou para a Faculdade de Ciências da Universidade de Coimbra, com o fito final de se preparar para a entrada na “Escola da Guerra” e tornar-se no tão desejado Oficial de Cavalaria, contudo, por razões várias, acabou por não obter o pretendido acesso.
Foto de José Manuel Tudela
Para Fernando Pessa a vida em Coimbra foi estonteante, com farras constantes e sempre pronto para a “malandrice”, ao ponto de ter recebido a alcunha de “O Pardal”, pois, segundo o mesmo:
“Era uma alcunha que me caia muito bem, pois nunca fui, propriamente, um pássaro de gaiola”
O desporto teve sempre um lugar especial nas suas actividades, com especial relevância para o hipismo, natação e vela, contudo, segundo palavras suas, o primeiro que praticou foi o da bofetada, dado ser uma excelente actividade física, porém, andar a pé “nuuuunca”, mas a presença das suas bicicletas, a verdadeira e a de ginásio, acompanharam-no, quase, até finais da sua existência.
Não lhe tendo corrido a vida académica em Coimbra tal como desejou, em 1920 arranjou emprego no Banco Nacional Ultramarino local, transferindo-se, posteriormente para Lisboa, cidade onde era moda a profissão de bancário, mas como cedo concluiu que nunca chegaria a banqueiro, trocou de linha de carreira e dedicou-se aos seguros, tendo conseguido um lugar numa companhia inglesa, a Caledonian, cujo responsável o convidou, em 1927, a ir com ele para o Brasil (Rio de Janeiro - Copacabana) onde se manteve durante seis anos.
Foi uma autêntica loucura, com farras e namoricos diários, ao ponto de ter dado o nó, pela primeira vez, com uma carioca, sendo, contudo, “Sol de pouca dura”, dado que a sua postura de casado era idêntica à praticada no tempo de solteiro, reconhecendo ter sido sua a culpa do desfecho desta primeira tentativa de casado.
Uma vez mais os cavalos atravessaram-se na sua vida, ao ponto de a uma queda verificada num concurso hípico, o médico assistente lhe tenha aconselhado o regresso a Portugal, o qual trás, finalmente, Fernando Pessa paras as lides nas ondas hertzianas.
A Entrada na Emissora Nacional
Em Lisboa, após regresso do Brasil, em 1934, e promessa de emprego na companhia de seguros Ourique, concorre, sem cunhas, ao lugar de locutor e repórter dos Serviços de Exteriores da então constituída Emissora Nacional (EN), tendo ficado em 2º lugar, num lote de mais de trezentos interessados, tendo entrado, então, para os quadros da Estação Pública de Rádio.
As suas primeiras experiências na EN, foram, segundo o mesmo:
“Comecei por fazer o serviço de cabine, durante a fase experimental das emissões da EN, pelo que passava a vida a anunciar discos e uma ou outra palestra, que na altura eram muito poucas, ou seja, a EN nos primórdios da sua existência dava informação, música e pouco mais”
Fernando Pessa Fadista
No sentido de ocupar de um modo mais divertido as amarguras da Guerra, Fernando Pessa escrevia letras para fados que ele próprio interpretava no chamado “Retiro da Blitz”, parodia que levava a efeito, aos sábados, na BBC, com acompanhamento à guitarra de Teté Burnay, gozando com a figura de Hitler, ridicularizando-o ao máximo das suas investidas londrinas.
Este gosto pelo fado vinha já dos tempos da EN, na qual tinha um programa onde levava jovens com algum potencial para o fado, contudo, numa das emissões o convidado faltou, pelo que Fernando Pessa não deixou uma branca no “ar”, tendo rematado com a letra abaixo:
FADO FINAL
Por tantas vezes ter ido à Severa
Eu, que era simplesmente um locutor
Sinto-me agora, embora muito bera,
Do fado, um terrível cantador
E quando p’rà cova for por destino,
Em ‘squife bizarro vou nesse dia
Irei num caixão super-heterodino
Do feitio duma telefonia!
À cabeceira a servir d’almofada
Levarei um transmissor d’onda curta!
Co’a feita em pó, cinza, terra e nada
Ninguém a ouvir-me, creio, se furta
E então, lá de longínquas paragens
Eu vos falarei nas noites de inverno
Fazendo divertidas reportagens...
Só não sei se do Céu...se do Inferno!
(Música: Do Fado do Marceneiro
Letra: Fernando Pessa)
Sonorizar Com Um Peru
Conta FP que nos primeiros tempos da EN, dada a inexistência de discos com ruídos e sons característicos para o suporte de ambientes sonoros de determinados trabalhos, estes tinham que ser captados em directo ou, em alternativa, registados para uso posterior.
Certo dia, em vésperas de Natal, recebeu de um saudoso ouvinte alentejano, parte integrante das suas brincalhotices, um peru, que pela sua cor e tamanho, mais parecia uma avestruz. Assobiou-lhe o seu agradecimento, ao que o animal lhe respondeu, em jeito de “não tem de quê”, com um fortíssimo gru-gru-gru.
Pretendendo repetir o feito na hora de emissão, logo se preparou a sala estúdio para o respectivo registo, só que para o peru é como se já fosse de noite, pelo que pura e simplesmente o gru-gru-gru não saiu, tendo FP que recorrer a um Amigo perito em imitações.
O problema foi no dia seguinte, pois o Jornal Rádio Semanal foi fotografar FP e o peru no ambiente radiofónico de registo, tendo a foto aparecido na primeira página, como tendo sido o artista que tão prontamente respondera ao assobio durante a transmissão do programa.
E a censura.........deixou passar mais esta grande mentira!
As Idas Para a BBC
Em 1938, através de um convite formulado, pessoalmente, por R. G. Broughton, director à data da BBC, acedeu ir trabalhar para Londres, onde passou, segundo o mesmo, os seus melhores anos de vivência profissional, tendo solicitado uma licença ilimitada na EN.
Porém, no início, não foram só facilidades, dado que contrariamente ao combinado no convite feito, em Janeiro, nos estúdios da EN, e aceite por Fernando Pessa, na condição de ir à experiência por dois meses, concretamente fevereiro e março, finda a qual, caso houvesse interesse mútuo, deveria ser celebrado um contrato por dois anos. Ao chegar a Londres foi trabalhar para a secção brasileira, edifício Bush House, em King’s Way, e passado o período experimental foi apresentado um contrato de trabalho de apenas seis meses renovável, fez com que desistisse desta “aventura” e regressasse a Lisboa.
Mas, a BBC estando mesmo interessada nos préstimos de Fernando Pessa, envia a Lisboa o responsável pela contratação de estrangeiros, Mr. Frost, com a indicação de que a emissora abria, neste caso, uma excepção, aceitando as condições propostas, o que levou, pela segunda vez no mesmo ano, ou seja, em Julho, a rumar a Londres, contudo, só em 1940 é que passou a integrar a Secção Portuguesa, comprando na altura a sua inseparável Royal (máquina de escrever), tendo-se mantido na mesma até 30 de novembro de 1943, data em que pediu demissão do cargo por incompatibilidades com o seu chefe, Mr. Wilmore.
Em março de 1944 recebe novo convite da BBC, com o envolvimento da diplomacia da Embaixada Britânica em Lisboa, cuja aceitação deu origem à terceira e última estada em tão importante órgão de comunicação, no qual, ao seu serviço, passou momentos únicos, tal como Fernando Pessa nos relata:
“As histórias de guerra são sempre tristes, mas tenho uma que é engraçada. Em Londres havia daquelas casas antigas que só têm rés-do-chão, primeiro andar e águas furtadas. Quase não era preciso uma bomba para a casa vir abaixo; bastava uma máquina de escrever lançada de um avião lá de cima. Quando as bombas caiam, as paredes iam abaixo mas ficava sempre em pé a parede da casa que ligava com a parede da casa do lado. E era nessa parede que ficavam agarradas as sanitas dos vários andares. Um dia caiu uma bomba e o pessoal foi socorrer, para ver se havia gente soterrada. Levaram-se cães e o material todo e quando lá chegaram viram sentado na sanita do 1º andar a rir à gargalhada um inglês. Perguntaram: <>; ao que ele respondeu: <>”.
O Arranque das Emissões Em Português
O Serviço de Noticiários dedicados a Portugal, foi inaugurado pelo Embaixador de Portugal em Londres, Dr. Armindo Monteiro, a 3 de junho de 1939, cujo discurso foi feito aos microfones da BBC e recebida no nosso País nos seguintes termos:
“O Serviço Português da BBC é mais uma manifestação desta política de amizade, que tão inequivocamente os altos poderes do Estado afirmam. Vem êle, para melhor dar a conhecer a Grã-Bretanha ao povo português – na simples verdade dos acontecimentos que passam. Para fazer sentir nas suas reais proporções e possibilidades, a fôrça, a grandeza, o espírito de paz do Império Britânico, a BBC nunca precisará de recorrer a exagêros, a contorcionismos e vãs declamações; a escrupulosa exposição dos factos dia a dia, lhe bastará.
Nesse sentido, a politica da BBC será, como a do Governo Português, uma política de verdade”
N.A.: No sentido de manter a originalidade do texto acima optámos por não fazer qualquer adaptação do mesmo ao modo como se escreve o português nos dias de hoje.
O Casamento
Ainda em Londres, em 1947, conheceu, na BBC, aquela com quem pela segunda vez deu o nó, Simone Alice Ruffier, com a qual casou pelo registo em Portugal, logo após o seu regresso, mas desta vez o casamento foi encarado de outro modo, tendo perdurado até à sua morte, graças ao profundo amor partilhado, maioritariamente, num 6º andar da Av. de Roma, em Lisboa.
Para Simone Alice:
“Não foi exactamente um amor à primeira vista. Mas, com o andar do tempo vim a conhecer as suas grandes qualidades no trabalho, com bondade sempre para os outros. Um homem em tudo maravilhoso”
Devido a um problema que afectou em criança Fernando Pessa, o casal não deixou descendentes, contudo tomaram a seu cargo, aos três anos de idade, a educação de Frederico Botelho (Freddy) como de um filho se tratasse:
“É uma dívida que eu nunca poderei pagar visto que foi ele que assegurou toda a minha educação. Uma dívida de gratidão que é impossível pagar. Ele fez tudo como um pai para mim”
Plano Marshall
Terminado o terceiro contrato com a BBC regressa a Portugal, em 1947, convencido que a Emissora Nacional lhe tinha reservado um lugar nos seus quadros como apresentador, fazendo fé nas palavras do, então, Director da estação, Capitão Henrique Galvão, que lhe disse, na primeira ida para a BBC:
“Agarre com as duas mãos o convite que lhe estão a fazer, pois você vai voltar de lá feito um profissional. Nós aqui somos todos amadores e quando voltar, tem aqui lugar garantido”
Quando deixou, definitivamente, para trás a sua actividade profissional na Grã-Bretanha, as portas da EN tinham-se fechado definitivamente, não só porque as amizades do início já não faziam parte da estação pública de Rádio de então como, segundo o mesmo, por razões de ordem politica:
“Para alguém que afirma ter ido para a BBC como amador e ter voltado como profissional, foi difícil entender porque lhe fecharam as portas no regresso. Politiquices. Ainda para mais quando comparar a BBC à EN era o mesmo que comparar uma bicicleta a um automóvel de corrida. Eu tinha estado a defender os Aliados, o que muitos dos governantes da altura não levavam a bem porque tinham jogado noutro clube e tinham perdido. Daí a vingança torpe e mesquinha”
Foto de José Manuel Tudela
Para se manter voltou à actividade seguradora, assim como à sonorização de documentários, à data muito em uso nas salas de Cinema dado não haver, ainda, Televisão em Portugal, pelo que antes da apresentação do filme era norma a exibição de um Jornal Cinematográfico como, por exemplo, “O Mundo Em Notícias”, neste caso comentado em Português do Brasil, a que se seguia um documentário de fundo, finalizando esta parte da sessão com um pequeno filme de desenhos animados.
Como na altura a produção nacional de documentários era quase inexistente, as distribuidoras de filmes, como a Doperfilmes, tinham que recorrer à oferta estrangeira, também neste domínio, pelo que Fernando Pessa andou a saltitar por toda a Europa, pelo que fazia 20/30 sonorizações em Roma, depois o mesmo em Londres, Paris, Madrid e demais capitais europeias.
A excepção à regra no que respeitava à baixa realização de documentários em Portugal, há a destacar “Os Últimos Temporais, Cheias do Tejo” (1937) e “Portugal Já Faz Automóveis” (1938), ambos de Manoel de Oliveira, aos quais Fernando Pessa “emprestou” a voz.
Em 1959 foi contratado para trabalhar no plano de apoio à Europa, Missão ICA (Plano Marshall), no qual para além do papel de adjunto era também a voz em português, tanto no Cinema como na Rádio, nos materiais então produzidos tanto pela Missão como pela NATO.
O Arranque da RTP
Entretanto a RTP dá os seus primeiros passos através duma série de emissões experimentais, em 1956, na antiga Feira Popular, em Palhavã, Lisboa, no espaço actualmente ocupado pelas instalações da Fundação Calouste Gulbenkian, para as quais Fernando Pessa foi convidado para fazer a apresentação dos pioneiros que iriam arrancar com a Televisão em Portugal, os quais passariam a fazer parte do quadro de pessoal da empresa, contudo, o apresentador ficou de fora.
Dizia, ironicamente, Fernando Pessa:
“A verdade é esta: a primeira vez que apareceu qualquer coisa num receptor de Televisão em Portugal, fui eu”
Entrada nos quadros da RTP
Apesar da sua presença constante nas várias colaborações que ao longo dos tempos prestou na RTP, só a 1 de janeiro de 1976 viu um velho desejo concretizado, ou seja, passou a constar do quadro de pessoal da Empresa.
Os seus “Bilhetes Postal” deram-lhe uma grande visibilidade, pois tinha liberdade total para em crónicas curtas, mas de grande eficácia, enviar aos responsáveis pelo bem público, ou seja, Ministros, Secretários de Estado, Presidentes de Câmara e Vereadores, as suas mensagens sobre o que de mal acontecia à sua volta como, por exemplo, o semáforo que há meses se encontrava desactivado, o estado lastimoso de certos urinóis de Lisboa, as riscas das zebras gastas pelo uso e não repostas, ou o perigo dos parques aquáticos para as crianças que os frequentavam.
Mesmo nas nossas conversas fora do ecrã, ao concluir que algo não estava de acordo com o bom senso comum, lá vinha a célebre frase com que finalizava, normalmente, a peça a emitir:
“E esta, hein?”
O 1º Banho do Ano
Desde tempos que a memória não ajuda nada, um pequeno grupo de banhistas da praia de Carcavelos tinha por tradição dar um mergulho nas águas geladas no primeiro dia de cada ano.
Fernando Pessa, sempre na busca de acontecimentos populares com interesse para a população portuguesa, deslocou-se ao local para o relato do que ali se estava a passar. O sucesso foi de tal ordem, que passados alguns anos o acontecimento não era mais o primeiro banho do ano na praia de Carcavelos mas sim a reportagem que sobre o mesmo era feito, ou seja, a força da Televisão e a arte do Repórter na cobertura dos factos da vida.
A Feira da Golegã
Por ocasião do São Martinho é norma a existência, na Golegã, da chamada Feira do Cavalo, tema de superior importância para Fernando Pessa, pelo que em novembro de 1974, ainda na qualidade de colaborador contratado à peça pela RTP, preparou uma reportagem a ser feita em filme de 16mm no dia 10.
A ideia tinha como suporte a viagem de Lisboa à Golegã a bordo de um helicóptero, o qual deveria ir às instalações da RTP na Alameda 44 (estúdios do Lumiar), aterrar no parque de estacionamento exterior, tomar bordo o Repórter e seguir para o destino já enunciado.
Sendo o helicóptero pilotado por um experiente profissional, este achou que a reportagem seria mais espectacular se a aterragem e levantamento fosse feita não no parque de estacionamento mas sim no “famoso” pátio de acesso ao Estúdio 1.
A aterragem foi um autêntico fracasso, pois devido a uma fuga de ar do poço constituído pelas paredes dos edifícios circundantes, o aparelho caiu estrondosamente, tendo ficado totalmente destruído, mas felizmente com o piloto em situação de vida controlada, sendo acompanhado na ambulância que o levou ao hospital pelo repórter que entretanto deixou para trás uma peça jornalística que seria, de certeza, uma das que mais teria desejado fazer.
O Prefácio do Meu Livro
Estávamos em 1993, em perfeito ambiente de uma autêntica revolução, neste caso concreto, tecnológica, com o Digital já a fazer das suas e a Alta Definição, pensávamos nós, a bater-nos à porta, em que o Autor desta biografia manteve com o agora biografado, uma conversa muito interessante, tanto no domínio puro da técnica, como vivências profissionais, tanto em Portugal como em Inglaterra, assim como na edição, por parte do Centro de Formação da RTP, de um dicionário técnico virado, precisamente, para a exposição, numa linguagem simples mas tecnicamente correcta, dos termos televisivos então em voga. Esse Livro, “Dicionário Televisivo”, é, ainda hoje, uma referência em Filmotecas, Museus de Imagem e em todos os Organismos que têm por missão, preservar, recuperar e exibir imagens em movimento.
O motivo principal da nossa conversa com o Amigo Fernando Pessa residia no facto de ser meu desejo a ligação da Obra a um nome maior do jornalismo português através de um Prefácio sem limite de tema e palavras.
A primeira reacção foi um tremendo NÃO, pois considerava não estar à altura de o fazer, assim como não sendo técnico não entendia este meu desejo, o que me obrigou a usar a “bomba atómica” por mim preparada, caso o desfecho não fosse o pretendido, ou seja, descrevi ponto-por-ponto a vivência, os locais, como o “King Charles Pub”, o “BBC Club” em Evesham, e as instalações da BBC numa Quinta maravilhosa que dá pelo nome de Wood Norton, onde Fernando Pessa fazia as suas crónicas de Rádio na BBC, após a destruição em Londres, pelos aviões nazis, dos emissores da estação, os quais levavam as mensagens da II Guerra Mundial a todo o Mundo.
À pergunta do meu interlocutor:
“Como é que sabe essas coisas?”
A que me limitei responder:
“O meu estágio em Televisão foi feito, precisamente, em Wood Norton, no Engineering Training Centre da BBC”
O Sim de Fernando Pessa foi imediato, pelo que não resisto à transcrição parcial do citado Prefácio, isto por várias razões, havendo um segredo, partilhado numa esfera muito restrita, que era o de se apresentar como FLOP.
Leia a transcrição e irá entender o título desta crónica biográfica, a qual nos conduz ao paradoxo linguístico, ou seja:
“Fernando Pessa..........o Sucesso do Fracasso”
Começa assim:
“Tinha o século XX sido modestamente inaugurado 2 anos antes, - porque nesse tempo, ninguém pensava ainda nas democráticas campanhas eleitorais – quando eu comecei a ser mais um, entre os que já por aí andavam a povoar a nossa Santa Terrinha. E era vê-los: eles aperfeiçoavam-se nas artes do “machismo”; elas, se fossem pobrezinhas, a aprender a trabalhar; se fossem “meninas bem”, a aprender a tocar piano e a falar francês.
Assim se viveram alguns anos em boa Paz, até que duas Grandes Guerras Mundiais – em que tivemos também de meter a colher – acabaram por alterar por completo os nossos hábitos e costumes.
Hoje, por exemplo, já são poucos os que se sujeitam ao atraso com que um ou outro telegrama é entregue no seu destino. Preferem telefonar um “fax”, que o destinatário recebe em sua casa, escrito numa folha de papel, à mesma hora em que está a ser enviado. Como há também quem hoje troque o Teatro, o Cinema e os Jornais, pela Rádio e Televisão!
Com tanto modernismo à nossa volta, de mistura com tantos termos estrangeiros – principalmente no campo da electrotecnia – vão ficando cada vez mais às aranhas os que procuram actualizar o estilo “fala-barato”, com os “palavrões” e “siglas” que o Progresso tem introduzido no nosso velho vocabulário, voltando as costas ao tão polémico Acordo Luso-Brasileiro.
Mas porque para os entender se tornava indispensável um Dicionário como este, Bem Haja o Engenheiro Carlos Alberto Henriques, por ter dado à luz tão valiosa e oportuna obra.
E porque mais e melhor não sei dizer de tão técnico trabalho, de minha “sigla” me sirvo para pôr ponto final na conversa.
FLOP (em inglês “fracasso”)
(para Fernando Luiz de Oliveira Pessa)
Julho 93”
Jardim Fernando Pessa
Por atribuição da CML (Câmara Municipal de Lisboa), o Jardim onde Fernando Pessa fazia quase diariamente os seus passeios, a pé, ou, como mais gostava, de bicicleta, passou a ter o nome de tão insigne visitante.
O Jardim encontra-se junto ao antigo Cinema Roma, hoje Auditório da Assembleia Municipal de Lisboa, local próximo da residência de Fernando Pessa, local onde se respira um certo sossego pelo recolhimento, onde é possível abstrair do movimento das Avenidas Roma e João XXI que passam muito perto.
O local torna-se, pois, retemperador de energias positivas, tendo as esculturas hiper-realistas de Jorge Melício, entretanto colocadas no local, vieram revalorizar, profundamente, este apreciado espaço lisboeta.
Espaço inaugurado em 2001 e situado na freguesia de Marvila, em Lisboa, destina-se a actividades socioculturais e educativas, dirigidas à comunidade local ou a outras de índole pública.
Possui uma oficina de fotografia, um auditório e várias salas polivalentes. Nele estão instaladas a Comissão de Protecção de Crianças e Jovens - Lisboa Oriental e a Rede Social de Lisboa.
O Auditório Fernando Pessa tem lotação de 107 lugares e está preparado para a realização de actividades várias, tais como Cinema, Teatro, Colóquios e Seminários, entre outros, dispondo, para o efeito, de programação própria.
Conclusão
Fernando Luís de Oliveira Pessa reformou-se ao serviço da RTP em 1995, com noventa e três anos de idade, pelo que, recorrendo, de novo, ao “Peça por Pessa”, não resisto à transcrição da contra-capa, da autoria do biografado, a qual se aplica 100% aos dias que correm:
“Considero-me um Zé-ninguém com vontade de produzir alguma coisa que valha a pena para ajudar a nossa terra a seguir em frente. E para amanhã não nos envergonharmos de deixar aos jovens de hoje a herança que eles estão, por enquanto, com muita mágoa a esperar que nós lhes deixemos”
Condecorações
Ordem do Império Britânico (Most Excellent Order of the British Empire – 1959);
Medalha de Comendador da Ordem do Infante D. Henrique (Presidente Ramalho Eanes – 1981);
Medalha Naval Vasco da Gama (Marinha de Guerra de Portugal – 1988)
Medalha de Grande Oficial da Ordem de Mérito (Presidente Mário Soares – 1991)
Prémios
Melhor Locutor do Ano (Prémio de Imprensa – 1963);
Prémio da Imprensa para Televisão (1981);
Placa de Homenagem e Diploma de Sócio Honorário (Associação Portuguesa de Criatividade – 1984);
O Mais Bem Disposto (Parodiantes de Lisboa – votação popular – 1984);
Prémio Açor (RTP Açores – 15º aniversário – 1990);
Mais Antigo Repórter do Mundo em Actividade (I Centro de Jornalistas Europeus – Benalmedena - Málaga – Espanha – 1990);
Prémio Carreira Brilhante de Repórter (OIJ – Organização Internacional de Jornalistas – 1991);
Óscar do Melhor Jornalista (Malveira – 1992);
Medalha de 6 de novembro (Câmara Municipal de Rio Maior – 1996)
Prémio Carreira (Clube Português de Imprensa - 1992)
Homenagens Póstumas
Auditório Fernando Pessa (CML-Marvila-Lisboa-2001)
Jardim Fernando Pessa (CML-Junto à Av. de Roma-2005)
Fontes: “Peça Por Pessa” (Luís Freitas da Costa-Editora TV - Guia - 1996)
“RTP 50 Anos” (Vasco Hogan Teves - Editora ???? - 2007??)
“Dicionário Televisivo” (Carlos A Henriques - Edição CF-RTP - 1993)
“Programa Artes e Letras” (Realização Nunes Forte - Videofono - 1992)
Artigos de época de vários Órgãos de Comunicação Social
Memória do Autor desta biografia