Artur Moura em Inglaterra (1966). no Mundial de Futebol (Foto: Nuno Ferrari)
2020-08-08
Texto: Carlos A Henriques
Introdução
O arranque em Portugal da Televisão com emissões regulares deu-se a 7 de Março de 1957, antecedida de emissões experimentais em 1956 na Feira Popular de Lisboa, em Palhavã.
A visita a Portugal da Rainha Isabel II, de Inglaterra, em Fevereiro de 1957 mobilizou todos os meios técnicos e humanos disponíveis no País, na maioria dos casos por apaixonados particulares que já faziam da câmara de filmar o seu hobby e nalguns casos o modo de ganharem a vida.
Artur Moura, então desenhador litográfico a traço, algo em grande desenvolvimento à data no Reino Unido, com a ajuda de um outro grande nome na história do Cinema e da Televisão em Portugal, o Realizador Adriano Nazareth, foi chamado a dizer presente a este grande evento que teve lugar, entre outros locais, em Lisboa e no Porto, deixando para trás o curso de engenharia, o qual deixou de fazer parte dos seus projetos profissionais.
São suas as imagens do lançamento da primeira pedra para a construção do Centro de Produção do Porto da RTP.
Muitas das imagens em diferido do Mundial de Futebol de 1966 que se realizou em Inglaterra foram captadas através da câmara que Artur Moura operava com mestria.
Um encontro de Amigos
Na minha actividade na RTP, na qualidade de membro responsável pela formação Técnica/Operacional do Centro de Formação, cruzei-me algumas vezes com Artur Moura, de início ainda no tempo da película com o Director de Fotografia Silva Campos no comando das operações. Mais tarde, já com os laboratórios cinematográficos da RTP encerrados, tanto o de Lisboa como o do Porto, eis que tivemos um novo contacto, agora num curso de reciclagem para o suporte vídeo.
A nossa amizade tem-se perpetuado no tempo, sempre acompanhada de boas histórias dos tempos idos, dos trabalhos realizados e por realizar, mas fundamentalmente pelo carinho e especial atenção aos temas que envolvem a sua/nossa RTP, com especial ênfase às referências de qualidade de excelência que a profissão sempre obrigou e às relações interpessoais tão necessárias ao trabalho de equipa nem sempre fáceis de coordenar.
Origens
Nascido no Porto (Miragaia) a 27 de Julho de 1933, seus pais, António Moura e Glória de Jesus deram-lhe o nome de Artur de Jesus Moura, tendo casado com Maria Virgínia Pereira da Silva, com a qual partilhou o nascimento de três filhos, concretamente, a Isabel, o Rui e o Paulo, a que se juntaram os netos Samanta, Hugo e Maria.
A RTP
Amante da arte de captar imagens em movimento fácil foi a tarefa dos responsáveis da RTP em atraírem Artur Moura para os seus quadros mesmo antes de a empresa se instalar em edifício próprio no Monte da Virgem (Vila Nova de Gaia).
Na qualidade de Operador/Repórter fez todo o tipo de trabalho que a estação carecia para o preenchimento dos seus noticiários, mas também no campo dos documentários.
Artur Garcia, Raul Endipwo e Amália Rodrigues
Juntamente com o Realizador José Eduardo Elyseu captou imagens ao longo de três meses, cerca de 12Km de película, para uma série de 20 Documentários sobre Moçambique. Como não podia deixar de ser, Angola foi outro território ultramarino português a ser motivo de Documentários com estes dois extraordinários profissionais de Televisão.
Com África na objetiva
Para além das centenas de reportagens para o Telejornal, principal jornal noticioso da Estação Pública, Artur Moura participou, também, na concretização de muitos programas como: “TV Rural”, com o saudoso Eng.º Sousa Veloso, assim como “Ver Com Olhos de Ver”, “Som, Vida e Som” e muitos mais cuja lista é deveras extensa e de difícil reprodução.
A Volta a Portugal em bicicleta
Como nota de destaque vão as 12 coberturas que fez à Volta a Portugal em Bicicleta, tendo feito equipa com um outro nome incontornável da nossa Televisão, o Repórter/Realizador José Manuel Tudela.
O Cinema
A sua outra paixão, a atividade cinematográfica, levou-o à realização de um filme, em 1966, juntamente com Albino Baganha e António Lopes Fernandes, “A Propósito de Uma Estátua”, no qual o Mestre Manoel de Oliveira foi o responsável pela Supervisão.
Artur Moura e Manoel de Oliveira
Com João Abel Aboim fez a direcção de fotografia do filme “Simpósio Internacional de Escultura e Pedra”. Participou na direcção de fotografia de uma grande quantidade de “Actualidades Cinematográficas”, um género noticioso muito em voga nas salas de Cinema nos anos 60, as quais antecediam a projecção do filme principal. A direcção foi da responsabilidade do Realizador Perdigão Queiroga, sendo os filmes rodados em suporte película de 35mm.
“Como Servir o Vinho do Porto” foi outro trabalho, com realização de Paulo Rocha, que deu a Artur Moura a possibilidade de se expressar através da imagem, o amor que o liga ao Norte, com especial destaque para a cidade que foi o seu berço.
Com Alfredo Tropa assinou a direcção de fotografia do filme de fundo “Bárbara”, assim como “No Novo Mar do Moliço”, com o qual ganhou o 1º Prémio no Festival de Riga (ex-URSS).
Artur Moura e Alfredo Tropa na rodagem do filme: “Bárbara” (Foto: Artur Moura)
O Documentário “Vila Chã”, do Realizador Adriano Nazareth Júnior, com a direção de fotografia de Artur Moura, ganhou uma menção honrosa no Festival de Cannes.
No Cinema há ainda a mencionar a feitura de vários filmes científicos assim como o terceiro Prémio num Festival na Irlanda graças ao “Querida Júlia”.
No campo do Cinema para Televisão fez com o seu Amigo Adriano Nazareth um enorme número de Documentários com destaque para: “O Baredo”, “O Mar Também Dá Pão”, “Um Rio Foi Vencido”, “Onde os Bois Lavram o Mar”, “Fisionomia de Uma Cidade”, “Moliceiros”, “Henrique Medina” e outros, mas, segundo palavras suas:
“Para mim o Documentário mais extraordinário e difícil de fazer foi: ‘Barcos Rabelos’”.
Desejos Não Concretizados
Em qualquer atividade ou profissão há sempre a vontade de se fazer algo que por absurdo possa parecer representa para o visado algo de extraordinário, sublime e de concretização considerada difícil, mas não impossível.
Para Artur Moura, homem da imagem, dos sonhos e do companheirismo, um dos seus maiores desejos, o qual, apesar de realizável, pois trabalhava na RTP, mas que não aconteceu, por mero acaso, tem a ver com a reportagem de guerra. O registo em imagem da entreajuda humana em situações de extrema dificuldade, a luta pela sobrevivência e o encontro final com a liberdade, são notas de elevado valor para este romântico do Cinema e da Televisão.
Documentários em Moçambique
Um outro desejo, esse mais difícil de alcançar, descrito por palavras suas:
“.....mas exultaria se, um dia pudesse ir numa nave espacial.....filmar na Lua”.
A Medalha Pela Ponte
Ao longo de seis anos, de 1957 a 1963, desenvolveu-se, entre a margem norte e a margem sul do rio Douro, uma obra conhecida como Ponte da Arrábida, tendo a sua construção sido acompanhada de muito perto pelo Telejornal da RTP.
Eng. Arantes de Oliveira (Ministro das Obras Públicas) e a Ponte da Arrábida
O Repórter de Imagem, como agora se designa, para a recolha das imagens da Ponte foi sempre o mesmo, ou seja, Artur Moura, o qual pelo trabalho realizado foi distinguido, então, pelo Ministro das Obras Públicas, Eng. Arantes de Oliveira, com a “Medalha de Ouro dos Grandes Obreiros da Ponte da Arrábida”, num almoço íntimo a que assistiram também alguns Jornalistas nortenhos.
Os Amigos
Para Artur Moura os Amigos estão sempre acima de tudo, postura de então e de agora, pelo que o prazer de partilhar uma novidade técnica, ou o novo modo de enquadrar uma imagem, para além da preocupação ao nível do foro pessoal no que diz respeito à saúde ou à progressão familiar, são razões mais do que suficientes para um telefonema ou convite para almoçar ou jantar.
Recolhemos junto de dois Amigos, que viveram de muito perto a sua actividade, depoimentos que atestam a personalidade de uma figura muito querida nos meios onde a técnica e a arte fizeram jus.
Aurora Gaia
Com o nosso Amigo e colega Artur Moura, mesmo antes da Televisão entrar nas nossas vidas, já andávamos pelo teatro.
Por volta de 1956/7/8 o Dr. Alexandre Babo, Fernando Gaspar, João Apolinário, o mimo Luís de Lima (que estudou e trabalhou com Marcel Marceau e Adamov) e Ionesco, formaram um "Grupo de Teatro Moderno dos Fenianos" onde se falava de teatro, de aulas práticas, colocação de voz e como respirar a palavra. O Adriano Nazareth também frequentava.
Adriano Nazareth e a sua equipa (Foto: Adriano Nazareth)
O Artur Moura, tal como eu, não seguiu como profissão o teatro porque a TV surgiu nas nossas vidas, mas, não há dúvida de que as nossas preferências tais como o teatro, música clássica, palestras sobre Arte refletiram-se na sensibilidade que Artur Moura transportou para a sua câmara de filmar aliando à técnica o seu bom carácter.
Um bom colega e tenho vaidade em ser sua colega e Amiga desde a nossa juventude.
Aurora Gaia
Um outro grande Amigo de Artur Moura, também ele um símbolo da RTP-Porto, o Jornalista Antero Nunes, fez-nos um depoimento que não é mais do que um relato na primeira pessoa de uma vivência quase diária com o biografado, que começa assim:
Artur Moura
Um homem com a 7ª Arte à flor da pele
(mais tarde, viria também a juntar-lhe a 8ª )
Começou praticamente a trabalhar com a máquina de filmar, quando a RTP surgiu no Porto, cerca de um ano depois da televisão ter surgido em Portugal.
Conhecemo-nos desde então, dentro da mesma casa e em actividades quase paralelas.
Ele na rua - estilo "bombeiro voluntário" da imagem -, ou do lado do Estúdio, dentro da RTP. Desde logo se me arreigou a convicção, que o Moura tinha nascido para interpretar acontecimentos do dia-a-dia e gravá-los em imagens.
Mais... Se tivesse nascido cem anos antes, quando os irmãos Lumiére tinham inventado o Cinema e colocado os espectadores assustados a fugir do "comboio" pela sala fora eu, até, algum tempo depois quando o Aurélio da Paz dos Reis - este um conterrâneo tripeiro - começou a seguir a arte das imagens em movimento, pois, por essa altura, se Artur Moura lhes tivesse pedido emprego, com a sua habilidade nata, teria sido aceite.
Efectivamente, na minha opinião, o Moura tinha nascido para a Arte das Imagens, quando pegou numa Paillard e começou a registar as primeiras cenas filmadas.
O passo talvez mais importante de uma reportagem de Telejornal, um documentário, ou uma sequência filmada, pertencia-lhe inteiramente.
Para cumprir a agenda, chegava ao acontecimento, com trinta metros de filme na câmara, interpretava rapidamente o que tinha a fazer, dava corda à Paillard e imediatamente carregava no botão para registar aquilo que tinha mais interesse.
Eu diria que era uma função estética, muito pessoal, mas puramente instintiva. As imagens iriam estar Iá todas e, horas depois, os espectadores poderiam vê-las numa montagem aceitável. Havia uma notável diferença entre os apontamentos e reportagens do Telejornal e os "Jornais de Actualidades" que até então passavam nas salas de Cinema. Enquanto nas primeiras, as imagens não poderiam demorar muito tempo entre o acontecimento e a apresentação, os Jornais de Actualidades Cinematográfica só eram geralmente renovados de 15 em 15 dias...
Por esta razão, se outra não houvesse, o Artur Moura captava e filmava tudo, para o próprio dia ou, na pior das hipóteses, para o dia seguinte.
Numa visão retrospectiva, de algumas dezenas de anos atrás, depois das imagens registadas, era preciso correr à Estação de S. Bento, no Porto e entregar o filme, num embrulho próprio, ao chefe da Estação, ou ao próprio maquinista do comboio, que o levaria em mão até Lisboa, onde seria revelado, montado e exibido.
Muitas vezes vi o Artur Moura fazer isto, apressadamente, para chegar a tempo ao comboio rápido das 18h e 20. Mais tarde, com a instalação de um laboratório no Monte da Virgem, a tarefa estava facilitada.
Por esta altura, com o Artur Moura, nasciam também notáveis operadores. O Serra Fernandes, António Silva, Sebastião Pinheiro, Silva Campos - ligado já ao Cinema Português - sem esquecer um dos primeiros, o Tudela.
Curso de Iluminação com Tixador (Centro Formação RTP)
Mas é preciso dizer que as imagens do Artur Moura fizeram "escola".
Os mais velhos espectadores, decerto se lembrarão das imagens da Volta a Portugal em bicicleta, das muitas vezes que ele se "colou" com as suas imagens, ao acontecimento, por esse país fora.
Sempre em busca do melhor enquadramento (Foto: Telesemana)
Hoje, novas tecnologias tornam tudo muito mais fácil.
Mas "correr" ao lado ou atrás dum ciclista para obter boas imagens, de ângulos arrojados ou posturas desafiantes, foi uma tarefa que o Artur Moura praticou, e bem, Voltas a Portugal a fio. Este tipo de intuição projectava-se para além do Desporto, no intuito de obter imagens que documentassem o acontecimento e o levasse, com suficiente vivacidade, até ao espectador.
Para obter muitas e boas imagens, o Artur Moura não privilegiava só o momento ou o ângulo mais favorável com a câmara. Por vezes era preciso algo mais, como quando filmou com notável realismo e coragem, um desastre ferroviário junto de uma ponte, ocorrido em Custóias. Não era habitual verem-se, com tal crueza, na televisão, imagens de um desastre que vitimara tantas pessoas.
Igualmente em imagens de natureza política, o Artur Moura "dava tudo por tudo", adoptando, por vezes, posições caricatas em visitas presidenciais, para conseguir captar boas imagens. Um exemplo ao acaso. De uma das vezes que o Almirante Américo Tomás visitou o Porto, o Moura não hesitou em deitar-se no guarda-lamas da viatura oficial, só para obter o melhor ângulo. Tudo isto sem grande “espalhafato" e só para não deixar fugir uma boa imagem.
Artur Moura no carro Presidencial
Sempre houve um espírito inventivo e prático, por parte do Artur Moura, para corresponder a qualquer situação menos favorável. Certa vez, chegado ao quartel da Serra do Pilar, para filmar o juramento de bandeira, descobriu que tudo já tinha ocorrido e a guarnição estava em pleno almoço. Não hesitou. Falou com o Comandante e ele mandou repetir a cerimónia. No final, diria para o Moura - "Agora, parece que ainda correu melhor..."
(Autoria: Eng. Sousa Veloso)
Rubricas habituais na televisão, durante anos, como o " TV Rural" do Engenheiro Sousa Veloso, e tantas outras com Fernando Pessa, programas e documentários, contaram com a assinatura de Artur Moura nas imagens. À medida que a evolução se foi fazendo sentir, na imagem de televisão, sobretudo no campo tecnológico, não deixou de a acompanhar. Pela sua mão, alguns dos assistentes que com ele trabalharam, aproveitaram a "escola" tornaram-se, também, Operadores de Imagem.
Colaborou com numerosos realizadores, principalmente no "documentário" e assinou a imagem do filme português "Bárbara", de Alfredo Tropa. Trabalhou praticamente com todos os realizadores da RTP em numerosos programas. Mais assiduamente, como "braço direito" em numerosas produções, fica a sua colaboração assídua com Adriano Nazareth.
O seu "olho clínico" de Operador experiente, fez com que, durante as viagens de trabalho que efectuou ao longo do país, conhecesse numerosos amadores de imagem, a quem foi transmitindo os seus conhecimentos e que, pela sua mão viriam a ser correspondentes, para a RTP, dos acontecimentos nas suas terras de origem. Nos meios de informação, Artur Moura era bem conhecido e estimado, sobretudo pela sua capacidade de trabalho, conhecimentos técnicos e a prestimosa ajuda que prestava aos colegas. Acompanhou sempre a evolução tecnológica que a RTP ia sofrendo.
Ao serviço da imagem no Desporto, sobretudo no Futebol, deslocou-se numerosas vezes fora do país para fazer a cobertura de encontros internacionais.
A sua comprovada capacidade de trabalho, fazia com que acompanhasse, frequentemente as visitas oficiais de membros do governo. Na sua folha de serviço, está uma "medalha de ouro" dos grandes obreiros da Ponte da Arrábida, que recebeu das mãos do Eng.º Arantes e Oliveira, ao tempo Ministro das Obras Públicas.
São incontáveis, ao longo dos últimos 40 anos, os documentários em que participou. Muito antes da independência de Moçambique, percorreu aquele país para fazer a imagem de diversos documentários assinados pelo Realizador José Elyseu. Outras ex-províncias portuguesas, africanas, foram igualmente objecto de documentários e reportagens. A evolução natural na carreira, ao longo dos anos, veio a colocá-lo como Director de Imagem, cargo que desempenhou para colaborar em diversas produções televisivas.
A mudança de tecnologia, na RTP, viria mais tarde a acabar gradualmente com as imagens baseadas em película de 16mm e a introduzir o vídeo.
O "staff" de que fazia parte Artur Moura hesitou com a mudança, mas o bom senso viria a prevalecer. O Operador de Cinema, consagrado pelos seus trabalhos, e recordado pelas numerosas películas, hoje em arquivo, tornava-se, igualmente, um destacado Operador de Vídeo.
Oportunidade plenamente conseguida, para que Artur Moura fizesse jus à sua qualificação de "Operador da 7.ª e da 8.ª Arte".
Antero Nunes
(Cortesia: Jorge Félix)
FONTES: Antero Nunes, Aurora Gaia, Paulo Moura, Revista TV, TV Guia, Tele-Semana, Jornal de Notícias, Jorge Félix e memória do Biógrafo